A fragilidade da economia brasileira exige urgência na aprovação das reformas, a começar pela reforma da Previdência, mas parece que falta esse senso de urgência no governo, segundo a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Por se tratar de reformas políticas, o diálogo, nesse caso é essencial, e o que ela diz estar vendo é o presidente Jair Bolsonaro maltratando a política. Isso é preocupante, porque para Zeina (foto), não há espaços para erros, “pois se o país entrar em recessão novamente, será muito mais difícil sair”.
Essa dificuldade do presidente Jair Bolsonaro de negociar com o Congresso Nacional pode complicar a situação do país?
A questão política é o ponto mais frágil. Nós temos uma agenda econômica, pelo menos nas linhas gerais, mais clara. Não é como na época do governo Dilma, que era um governo que não sabia para onde ia. Nós sabemos a agenda econômica que o governo precisa fazer: é um ajuste fiscal, começando pela reforma da Previdência, medidas para o país voltar a crescer, a reforma tributária, e a criação de um ambiente de negócios. Nós tivemos uma contribuição muito importante no governo Temer para estabelecer esse debate de agenda econômica. Diferente do que foi no governo Dilma, que era um governo que não tinha um plano de governo e o próprio debate foi muito equivocado, muito fraco. Até outro dia tinha político falando que não precisava de reforma da Previdência. Nós passamos por uma campanha eleitoral e ninguém negou a necessidade de uma reforma da Previdência. O país tem uma agenda econômica, claro que ainda muito mal definida pelo atual governo, mas onde a balança está mais frágil é na política. O governo vem acumulando, e ironicamente o próprio presidente, muitos equívocos na política. Todas essas agendas, a reforma da Previdência e todas as que serão necessárias são agendas da política, não são agendas que a sociedade vai lá defender. Estou achando engraçado chamar a sociedade para ir para a rua defender a reforma. Não é assim. Nós não somos uma sociedade reformista. Não é à toa que o Brasil cresce pouco, porque é muito difícil fazer reforma aqui no país. Nós defendemos reforma desde que seja para os outros. Quando atinge o nosso setor, nossa realidade e nosso bolso, aí não somos amigos de reforma. Portanto, é uma agenda da política, porque será preciso ir lá negociar.
O governo não está sabendo conduzir essa negociação?
O que vejo é um presidente que maltrata a política. É verdade que em alguns momentos ele recua, mas no grosso modo, ele maltrata a política. A frase em que ele disse “o Brasil é ótimo, o problema são os políticos” não é correta porque os políticos são o reflexo da sociedade. Pode ser um reflexo torto, porque nosso sistema político não é dos melhores, pode ser que seja, mas é o nosso reflexo e ele, o presidente, também é. Esses equívocos da política preocupam. Felizmente o debate está mais maduro e a classe política, pelo menos suas lideranças, entendeu que sem a reforma da Previdência o Brasil vai caminhando para um colapso, onde não existem vencedores. Todos perdem. Teremos de novo eleições tumultuadas e populistas. Ninguém ganha nessa agenda. Essa compreensão ajuda a dizer pelo menos o seguinte: alguma reforma da Previdência vem. Nós não sabemos o que, porque essa reforma implica no enfrentamento de grupos, corporações do setor público, e isso tem custos políticos envolvidos e até chegar lá, temos um deserto para atravessar. Temos muitas indefinições no cenário econômico, os erros da política trazem preocupação. O empresário que vive o dia a dia da política, abre o jornal e todo dia tem um ruído, uma fala inadequada do governo. Esse empresário não vai ter muita vontade de contratar. Os indicadores de confiança do empresário já estão em queda.
O país caminha para a recessão?
O risco é concreto, porque se temos um país com a economia estagnada, qualquer choque, qualquer acidente de percurso pode gerar um quadro recessivo mais duradouro. Nós sabemos que o primeiro trimestre vai ter variação negativa do PIB e, infelizmente, nós corremos o risco de encolhimento do PIB neste ano, por causa de uma economia muito fraca, vulnerável a acidentes de percurso. Ao mesmo tempo, qualquer choque, qualquer impacto, fica mais difícil para ser superado. Vamos pegar o caso da Argentina. A Argentina não indo bem, impacta nas exportações do Brasil, muitas empresas estão em dificuldade e será muito mais difícil superar essa crise. Acho que nós podemos estar flertando com um quadro recessivo, dependendo dos ruídos que o governo vem colocando na economia.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fala na aprovação da reforma da Previdência em junho na Câmara e em julho no Senado. Se isso acontecer, a economia vai mudar, como tem dito o ministro Paulo Guedes?
Será uma tremenda boa notícia. Sou cética, acho difícil isso acontecer. Não é impossível, claro, mas é difícil. Não é que se faz a reforma da Previdência e os nossos problemas serão resolvidos. É claro que uma reforma da Previdência rápida, que dê conta minimamente dos desafios fiscais, vai ajudar. Ela é essencial, mas não é ela que vai fazer o Brasil crescer. Ela pode gerar uma melhora da confiança e destravar algumas coisas, mas o que vai fazer o Brasil crescer são as reformas estruturais, o custo Brasil. Minas Gerais e outros estados que estão na mesma situação, são emblemáticos. Será crucial que os estados sejam contemplados. Não que vá resolver o problema, mas que dê alguma perspectiva de arrumação. Pesquisa do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas, indica que a cada 10 funcionários públicos existem 9 inativos. E esse número vai crescer em um ritmo forte porque mais da metade do funcionalismo nos estados tem mais de 49 anos. Vai haver uma avalanche de aposentadorias nos próximos anos.
O estado aguenta essa situação?
Não. E já não está aguentado, está colapsado. A pressão para liberação de recursos do governo federal só vai aumentar.
Nesse caso, só a reforma vai resolver?
Não, será necessário criar algo como um fundo de emergência, aumentando a contribuição previdenciária do funcionalismo. Vamos ter que fazer um esforço em várias frentes. Tem uma decisão que o Supremo está para tomar, agora em junho, que é um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal, que é a possibilidade de reduzir carga horária e a remuneração do funcionalismo público devido a situação de crise dos estados. Acho que deveriam incluir até a demissão. Isso que está sendo discutido no STF é essencial. Espero que o Supremo acate esse dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, nunca existe a reforma ideal. O fato do dinheiro ter acabado tem um lado bom, que força o Brasil a fazer a reforma e tem uma classe política muito pragmática no Brasil, apesar da bronca da sociedade com a classe política. Tem um caminho muito interessante que temos a seguir e todas as vezes que avançamos com as reformas, nós colhemos os resultados. O problema foi que ficamos não só sem a reforma, mas com a contra reforma, com os equívocos da Dilma, que até hoje estamos pagando a conta. Tivemos uma inflexão muito importante no governo Temer, com o teste de maturidade que o Brasil passou, temos aí a discussão das reformas. A questão é que precisamos correr e é esse senso de urgência que não vejo no governo. Existe uma parcela grande da sociedade que está sofrendo. Nós estamos falando de 25% da nossa força de trabalho que está desempregada, ou subocupada ou no desalento, muitos deles chefes de família que dependem dele e que sofrem também.