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Saúde, fartamente financiada, pobremente planejada e pessimamente praticada

Prestes a eleger o próximo presidente do Brasil, o eleitor tem a responsabilidade de definir o país que quer construir para o futuro. Com problemas de toda ordem, alguns se cobram soluções urgentes, como a saúde. A população brasileira está envelhecendo e empobrecendo. Os recursos existem, o sistema é fartamente financiado, pobremente planejado e pessimamente levado à prática na maioria das vezes, segundo o presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Ferreira (foto). Soluções existem, a questão é: quem poderá coloca-las em prática?

 

Como atender devidamente toda a população?

Minas Gerais, com seus 853 municípios, tem 477 com 10 mil habitantes ou menos. São bairros de uma cidade de médio e grande porte. Como construir uma unidade hospitalar completa nos 853 municípios? Seria um gasto absurdo para uma demanda não existente. Teríamos todos os aparelhos deteriorados por falta de utilização. A saúde precisa ser regionalizada, ter centros regionais resolutivos e nos diversos municípios, sistemas de referência e contra referência. Por exemplo, sou um médico que trabalha em uma cidade pequena. Se uma pessoa enfartar na minha frente, terei, neste sistema, plenas condições de fazer o tratamento inicial, não importando se o município tem 10 mil ou 18 mil habitantes, ou 816 habitantes, que é Serra da Saudade, a menor cidade de Minas Gerais. Será possível tratar aquela pessoa, fazer a referência, que é a ambulância CTI, um helicóptero que pousa na cidade e leva para um hospital regional, onde ela será atendida em tempo hábil. Isso é perfeitamente possível de ser feito. O SUS carece de financiamento e desse tipo de política, porque, infelizmente, nós enfrentamos um problema que é o fato de a população enxergar o hospital como um bem e uma segurança e nessas cidades muito pequenas ficarem brigando para um hospital funcionar, sendo que fica uma unidade de saúde dispendiosa e pouco resolutiva. Ali se gasta muito recurso sem ter o retorno devido.

 

A população brasileira está envelhecendo e vai precisar mais da assistência médica. Essa é uma questão que os governos terão que levar a sério?

Essa questão tem duas grandes repercussões. A primeira delas é que tem que haver uma reforma da Previdência. A população brasileira está fazendo em menos de 50 anos, o que a europeia levou 150 anos. Na década de 1970, a média de filhos por mulher era de 6,2% e hoje é 1,9. A projeção do IBGE para o crescimento da população brasileira inicialmente estimava que a população brasileira entraria em declínio por volta de 2059, o cálculo foi revisto para 2049 e recentemente voltaram a refazer o cálculo passando para 2039. Ou seja, Nós estamos diante de um fenômeno em que o envelhecimento vai ocorrer muito rápido, teremos muitos idosos. Na realidade, é colocado que 2021 seria o ano de ouro da economia brasileira, o ano que nós teremos o maior número de pessoas em idade produtiva de trabalho, com poucos jovens e ainda com poucos velhos, esse é o nosso dilema como sociedade. Se o Brasil não encontrar rumo e enriquecer antes de envelhecer, não haverá uma solução viável possível e o problema é que nessa dificuldade de encontrar rumo, nós vamos envelhecer sem enriquecer.

 

A população vai envelhecer com um sistema de saúde falido?

Isso é a própria bomba atômica em todos os aspectos.

 

A política precisa ser mais inteligente e trabalhar a favor do cidadão?

Diria que precisamos de uma Lei de Responsabilidade Sanitária, nos mesmos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Precisamos combater veementemente a brutal política de transferência de responsabilidade que existe entre a União, que é o ente que mais recolhe impostos, que transfere responsabilidade para o Estado, que transfere a responsabilidade para o Município, que transfere a responsabilidade para o gestor do hospital, que finalmente, transfere a responsabilidade para o profissional de saúde. É algo que acontece hoje com todos os profissionais de saúde, que estão expostos, estão sendo agredidos com muita intensidade em todas as formas: agressão verbal e agressão física por parte da população, que enxerga no profissional a concretização das mazelas de um sistema fartamente financiado, pobremente planejado e pessimamente levado a prática na maioria das vezes.

 

Tem que começar a mudança pela mentalidade?

Começa pela população e pela comunicação. Nós não podemos deixar nunca de lembrar que o médico é um ser humano. O médico sem condição de trabalho, vem sendo reduzido à condição de expectador privilegiado e absolutamente angustiado com o sofrimento humano e ninguém tolera isso.

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