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Uma greve que só complica a crise econômica

Paulo César de Oliveira
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Vivendo um momento de crise financeira que tem paralisado a economia, o Governo Federal ainda conseguiu fazer mais um inimigo. Além das desavenças com parlamentares, da base e da oposição, o que impede a aprovação do tão necessário ajuste, o governo da presidente Dilma entrou em rota de colisão com os Auditores Fiscais da Receita Federal e, até aqui, está perdendo a briga. A receita que já era mínima, insuficiente para cobrir as despesas, teve uma queda drástica, consequência da falta de fiscalização pela greve dos Auditores Fiscais em todo o país. Nesta entrevista, Ilva Maria Franca Lauria, acompanhada de Gabriel Corrêa, ambos do Comando Local da Mobilização do movimento grevista, que envolve os sindicatos que representam os funcionários da Receita Federal, explica as razões da greve e suas consequências para a arrecadação federal.

 

Qual o balanço da paralisação dos Auditores-Fiscais?

Nos últimos meses a indignação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal com a forma como estão sendo tratados pelo Governo aumentou de tal maneira que o atual estágio é de grave crise na instituição. A Receita Federal é reconhecida como um órgão de excelência, e nos últimos anos teve um aumento incrível no desempenho da fiscalização, com um incremento de produtividade decorrente dos esforços dos Auditores-Fiscais, sem paralelo em qualquer outro órgão público. No entanto, esse trabalho de excelência não foi suficiente para que a categoria fosse reconhecida e valorizada. Hoje, o quadro é de indignação dos Auditores e a Receita está praticamente parada! Para se ter uma ideia, mais de 1.900 cargos de chefia já foram entregues em todo o país, de um total de aproximadamente 2.200. A operação Meta Zero mostrou a importância da atividade dos Auditores: somente em agosto, os valores lançados pela fiscalização caíram 82% – de R$ 7,6 bilhões em agosto de 2014 para R$ 1,4 bilhão em agosto de 2015.

 

Qual o impacto da mobilização no orçamento federal?

Nesse momento de grave crise fiscal, é chocante constatar a insensibilidade do governo às demandas dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A categoria é a única que pode ajudar o Governo e o país a saírem dessa situação, pois é a responsável pela arrecadação da União. Em 2014, por exemplo, o trabalho dos Auditores-Fiscais carreou aos cofres públicos quase R$ 1,2 trilhão! Ou seja, qualquer variação de 5% na produtividade gera um impacto de R$ 60 bilhões no orçamento. Se considerarmos que o déficit no orçamento de 2016 é de R$ 30 bilhões, que provocou inclusive a perda do grau de investimento por uma agência de risco, fica claro que os Auditores-Fiscais tem um papel fundamental na solução da crise fiscal. O Governo erra mais uma vez ao não perceber que os Auditores não são despesa, mas sim receita!

 

Qual é a atual remuneração dos servidores e qual é a reivindicação?

Desde junho o Governo já vinha conduzindo negociações de reajuste com todo o funcionalismo público federal. Contrariando a Constituição Federal, os servidores não têm data base para reajuste e o último acordo de reposição das perdas inflacionárias venceu em 2014. Sistematicamente o Governo tem oferecido reajustes num percentual muito abaixo da inflação, o que, na prática, significa que nosso salário é reduzido ano a ano. Na atual negociação, por exemplo, o governo oferece menos de 5% ao ano nos próximos 4 anos, sendo que a previsão para a inflação oficial de 2015 é de quase 10%. Além disso, os Auditores-Fiscais vêm sendo especialmente desvalorizados nos últimos anos e a Receita Federal perde grandes talentos para outros órgãos e para a iniciativa privada. Para se ter uma ideia, quando comparamos a remuneração dos Auditores-Fiscais da Receita Federal com a remuneração dos Auditores Estaduais, responsáveis pela fiscalização de ICMS, estamos na penúltima colocação! Somente um estado tem remuneração menor para seus Auditores Em todos os demais os Auditores-Fiscais são mais valorizados do que no Governo Federal. Essa situação, que já era grave, piorou dramaticamente quando em agosto passado foi aprovada, em primeiro turno, na Câmara Federal a PEC 443/2009, que vinculou a remuneração dos Advogados Públicos da União (AGU) e dos Delegados da Polícia Federal a 90,25% do subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal. A Constituição de 1988 reconhece os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil como essenciais ao Estado e não faz o menor sentido deixar uma carreira típica de Estado fora dessa PEC. Os Auditores-Fiscais sempre estiveram no mesmo patamar remuneratório dos Advogados Públicos da União (AGU) e dos Delegados da Polícia Federal. Na prática o Governo aprovou no Congresso uma medida que rebaixa de maneira inaceitável os Auditores-Fiscais. Mas nossa reivindicação não é só salarial. O movimento crescente da categoria é pelo resgate da autonomia dos Auditores e por uma Receita Federal mais forte, para corrigir problemas internos que se arrastam por anos.

 

O governo federal tem avançado nas negociações?

Todos nós sabemos que o país atravessa uma situação econômica difícil e uma grave crise fiscal. Com o anúncio do último pacote fiscal, o Governo pretende adiar todo reajuste dos servidores para o segundo semestre de 2016. Em que pese a injustiça de um ajuste fiscal nas costas dos trabalhadores e dos servidores públicos, o Governo erra mais uma vez na condução das negociações, por dois motivos. Primeiro, porque poderia apresentar agora uma solução definitiva razoável, mas com implementação postergada para um momento futuro, quando as contas públicas melhorarem. Segundo, porque poderia avançar atendendo as reivindicações não remuneratórias dos Auditores-Fiscais. Essas demandas, que não tem nenhum impacto financeiro no orçamento, envolvem alterações de algumas normas com o objetivo de dar maior autonomia aos Auditores-Fiscais no trabalho de fiscalização e combate à sonegação, além de corrigir uma forma de trabalho atual que centraliza poder nos ocupantes dos cargos de chefia de maneira totalmente irregular, contrariando o Código Tributário Nacional e até a Constituição. É difícil entender a recusa da administração da Receita Federal e do governo em atender esses pleitos que não tem nenhum impacto financeiro e fortaleceriam o órgão. A insistência em desvalorizar os Auditores é um tiro no pé, pois a categoria é parte fundamental de qualquer solução para essa crise fiscal que vivemos.

 

Que movimentações o comando de mobilização vem fazendo para manter os auditores engajados? Quais os próximos passos do movimento?

Esse movimento é possivelmente a maior mobilização da história da Receita Federal do Brasil, tanto que já ficou conhecido como Primavera Fiscal. Os Auditores-Fiscais não aceitam mais o tratamento desrespeitoso que têm recebido do Governo e não abrem mão do direito de reivindicar melhores condições de trabalho. Uma novidade desse movimento tem sido a articulação das ações pelas redes sociais, o que aumentou incrivelmente o engajamento e a participação de todos. Os Auditores-Fiscais tem se reunido para discutir mudanças na instituição e planejar uma Receita Federal mais forte. No início de outubro serão divulgados os números de setembro e ficará claro o impacto da operação Meta Zero na queda da arrecadação federal. Outra iniciativa importante tem sido o trabalho parlamentar da categoria, com a realização de audiências com os deputados de Minas Gerais para informá-los sobre a importância das atividades desenvolvidas pelos Auditores-Fiscais e discutir a necessidade de fortalecimento da Receita Federal do Brasil.

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