Acostumado a grandes embates e a advogar para personalidades que causaram polêmica como a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (foto), não se deixa intimidar. Ele assumiu a defesa do homem mais odiado do país atualmente, o empresário Joesley Batista. A sua missão é livrá-lo da cadeia e tentar mostrar o que considera excessos cometidos pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, que para ele foi desleal e agiu como um semideus. Ele avisa que não tem fita nenhuma bomba. A gravação com o ex-ministro José Eduardo Cardozo foi entregue a uma procuradora federal.
Como a defesa está trabalhando para consertar a trajetória do empresário Joesley Batista?
A nossa primeira atitude é tentar a liberdade. Nós temos um habeas corpus. O Joesly tem duas prisões, uma decretada pelo juiz da 6ª Vara, de insider information, é um crime que, se a pessoa for condenada, ela não será presa ao final. Não tem nenhum sentido ter uma prisão antecipada. Ademais, a prova de que não há crime é que os advogados ofereceram, quando começou a investigação, que ele fizesse um anexo na delação dele. À época ele tinha imunidade e se ele tivesse feito o anexo a investigação terminaria. Eles não quiseram porque se fizesse, teriam que mentir, porque não existe crime. A convicção era tanta que eles optaram por não terminar a investigação. A prisão foi fruto deste momento de espetacularização do processo penal, um momento punitivo. Não houve nenhuma modificação do começo da investigação para agora, então, realmente é uma prisão desnecessária. Nós entramos na sexta-feira com um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, e foi distribuído para o ministro Sebastião Ovídio. Estamos na expectativa de conseguir a liminar. Essa liminar libertaria Wesley, mas o Joesley continuaria com a prisão no Supremo Tribunal Federal. Concomitantemente, nós estamos trabalhando para demonstrar ao ministro Fachin a desnecessidade da prisão.
Para o senhor a prisão foi desnecessária?
Ali, no nosso ponto de vista, não houve um descumprimento da palavra dos delatores. Isso é um caso extremamente sui generis. Eu tenho defendido que o doutor Janot, no final do mandato dele, sofrendo críticas violentíssimas, por ter concedido a imunidade aos delatores da JBS, resolveu, antes de sair, levantar essa imunidade e criou um fato jurídico político. Os delatores da JBS teriam até o dia 30 de outubro para entregar outros documentos, outros anexos. Outro dia ele entregou a fita que é motivo de controvérsia, uma fita que entregou voluntariamente, onde tem uma conversa de bêbados de 4 horas, que foi entregue para o delegado. Uma conversa chula, mas sem nenhum tipo de crime ou ocultação. Se por acaso o procurador julgava que existia algo a ser esclarecido, evidentemente, por uma questão de lealdade, ele está representando o Estado, tem que ter boa fé. Não é só o delator que tem que ter boa fé. Ele alegou que o delator agiu de má fé ao omitir. Se ele achava que tinha alguma omissão, que ele chamasse o delator para explicar os fatos. É assim que funciona. Eu não trabalho com delação, não acompanhei a delação, estou defendendo a liberdade e posteriormente defenderei os direitos que vieram da homologação da delação, mas não com a delação em si.
O senhor acha que ele deveria ter sido ouvido antes?
Em todas as outras delações, quando havia uma dúvida, os procuradores chamavam o delator para poder esclarecer a dúvida. Se fosse alguma dúvida razoavelmente séria, eles faziam um recall, que é quando você pede para fazer o conserto x e tira o benefício. Normalmente aumenta a contagem de dinheiro a ser devolvida. No caso do Joesley, nós entendemos que nem tinha que ter recall, porque entendemos que não havia nenhuma irregularidade. A relação dele com o Miller, rigorosamente, é aquela que está posta. No outro dia saíram alguns e-mails entre o Miller e o escritório que estavam contratando, e isso foi colocado como se a JBS soubesse da negociação. Ora, foram e-mails internos de um advogado que está sendo contratado e um escritório de compliance do mundo. É óbvio que eles não estavam se dirigindo à JBS e nem tinha como eles saberem. O que causa espécie é que, assim que o procurador suscitou essa dúvida, e na realidade, para mim não há dúvida nenhuma, foi uma jogada política, ele foi massacrado pelos formadores de opinião, pela grande mídia – só o jornal Estado de São Paulo fez sete ou oito editoriais pesados contra ele, e o que ele fez? Ele transitou durante boa parte do mandato dele como se fosse um herói. A operação Lava Jato estava a mil, ele denunciando os senadores, o ex-presidente da República, o presidente da República. Ele tinha virado um herói nacional na visão dele e de repente começam a aparecer as fragilidades a partir do momento em que ele diz que vai dar tantas flechadas enquanto tiver bambu, o que já demonstra um certo desequilíbrio, já que isso não é a forma de falar de um procurador-geral da República, que tem o gravíssimo ônus de poder apresentar uma denúncia contra uma pessoa. A delação era tida como a mais efetiva, mas ele não suportou as críticas.
E as outras fitas?
Para se ter uma ideia, no dia anterior ao pedido de prisão, o Joesley foi depor com uma procuradora que perguntou sobre uma outra fita, aquela fita que se tem uma grande expectativa sobre ela, a que teria alguma coisa do ex-ministro José Eduardo Cardozo. Nada criminoso, apenas conversas sobre coisas que as pessoas têm curiosidade. Ele disse “eu não entreguei essas fitas porque na visão técnica ela não teria nenhuma importância”. A procuradora, no meu ponto de vista, acertadamente, disse que quem tem que ver se tem alguma importância ou não é a procuradoria. Então ele disse “entregarei imediatamente as fitas”. Não tem nenhuma fita no exterior. Em um dado momento, por uma questão de segurança, ele deixou a fita fora do Brasil. Assim que ele viu que não era uma coisa positiva, as fitas estão todas com ele. No depoimento do dia anterior com a procuradora, ao entregar a fita, ele foi surpreendido naquele momento com o pedido de prisão contra ele. Isso é muito grave. É uma deslealdade forte por parte do Estado.
A opinião pública tem influenciado as ações do Ministério Público, juízes e da Polícia Federal?
Eu acho que sim. Nós vivemos em um momento de espetacularização do direito penal. As pessoas estão cansadas de tanta corrupção. Trabalho com direito penal há 35 anos e fui surpreendido. Nunca imaginei e ninguém poderia imaginar, o grau de capilaridade e de institucionalização da corrupção. Quando se vê uma cena com R$ 55 milhões dentro de caixas em um apartamento, são coisas que chocam as pessoas em um país pobre e desassistido como o Brasil. A Lava Jato é uma operação importantíssima, fez grandes avanços no combate à corrupção no país. Não sou um crítico da Lava Jato, sou crítico dos excessos, como cidadão e como advogado. Há dois anos e meio venho percorrendo o Brasil fazendo de duas a três palestras por mês, para poder apontar os excessos. Parte do Ministério Público dividiu o país, principalmente a força tarefa de Curitiba e parte do Judiciário. Isso é muito ruim. É um país punitivo. Costumo dizer que não permito que juiz algum ou delegado algum, procurador nenhum da República, possa falar que combate mais a corrupção do que eu, do que você, mais do que os mineiros. Todos nós queremos o combate à corrupção. Eles não são os donos da verdade. Eles não podem dividir o país maniqueistamente, simplistamente e infantilmente colocando quem critica o combate à corrupção, da forma como é feita, por considerar exagerado, como sendo a favor da corrupção. Isso é maniqueísmo infantil. Costumo dizer que os idiotas perderam a modéstia, parafraseando Nelson Rodrigues. O que interessa é como fazer o combate à corrupção. Eu quero o mesmo combate que eles dizem que querem, mas com as garantias individuais respeitadas, com o devido processo legal, sem essa espetacularização. Eles querem o combate à qualquer custo, com prisão feita da delação, com excesso de exposição das pessoas que estão sendo investigadas, como aquelas entrevistas que fazem apresentando a denúncia, aquilo é imoral, é ilegal, atenta contra a dignidade da pessoa que está sendo investigada. O investigado não perde o direito à dignidade. O Ministério Público Federal chama a imprensa nacional e durante duas horas expõe a pessoa ao ridículo, com uma denúncia que nem foi aceita ainda. Isso tudo é pensado. O maior interesse daquele circo, primeiro é a promoção, depois vão fazer palestras pagas pelo Brasil a fora. Segundo, a vaidade. A vaidade é um problema grave nesse meio e depois, para fazer o prejulgamento e jogar quem está sendo denunciado contra a sociedade, pressionando o Judiciário. Essa é uma forma de pressão do Judiciário e é gravíssimo o que estamos vivendo no Brasil hoje.
A procuradora Raquel Dodge no cargo de procuradora-geral da República muda alguma coisa?
Eu espero que mude. O doutor Janot é uma grande figura. Pessoalmente eu gosto dele, tenho admiração por ele, embora ele seja atleticano, o que é um defeito grave. O Janot no começo do mandato, ele não agia dessa forma. Esse excesso de poder, esse excesso de exposição midiática é que fez com que ele se sentisse semideus. Essa é a realidade. Os procuradores da Lava Jato, da força tarefa de Curitiba começaram a se sentir semideuses por causa da exposição excessiva na mídia, que é opressiva para uns e bajulatória para eles, fez com que eles creditassem que são semideuses e com isso, começaram a errar. O Janot errou no final do mandato dele. O Janot é uma lástima, até triste, melancólica. Eles acabaram com o instituto da delação. Eu acho que a doutora Raquel vai chegar vendo o extremo desgaste que a procuradoria está. O Janot passou de herói para um tirano. Na apresentação dessa fita que ele usou para suspender os benefícios dos delatores da JBS, o que tem de grave naquela fita é uma única coisa: a forma como o Janot apresentou a fita, ao dizer de forma leviana que aquela fita continha coisas criminosas contra ministros do Supremo. Parou o país. O ministro do Supremo Marco Aurélio veio à público dizer que ele colocou o Supremo inteiro em suspeição. Como assim? É só ouvir a fita para ver que não há nada contra os ministros do Supremo. É irresponsabilidade, excesso de poder. Até a virtude tem que ser contida, como diria Maquiavel. Você não pode achar que, por ser virtuoso pode tudo. Nenhum poder pode tudo. O que nós esperamos é que a doutora Raquel seja um Janot como no princípio do seu mandato, sem deixar que a espetacularização e o excesso de poder subam a cabeça. O Ministério Público, no meu ponto de vista, usou de poderes do Judiciário, como nessa denúncia agora, quando ele pediu a rescisão da delação, mas esse pedido tem que ser homologado. Ele tinha que ter esperado do Supremo Tribunal, o ministro Fachin ou o pleno homologar para depois apresentar. Como ele estava saindo, de forma desleal e irresponsável, ele vai e apresenta uma denúncia ainda com a delação valendo. Ele está usurpando o poder Judiciário. Ele está se sobrepondo ao poder Judiciário. Isso se chama excesso de poder.
O fato do Joesley ser uma pessoa tão odiada no país dificulta para fazer a sua defesa?
Não tenha dúvida. Sempre que você advoga para o inimigo número um, a tendência dos tribunais, normalmente é ter muito mais rigor, porque os juízes são humanos, o Poder Judiciário é composto de pessoas que também sofrem de certa forma com esse poder da mídia. Eu entendo que é aí que o Judiciário precisa ser corajoso. Acho que o juiz não pode ser covarde, assim como o advogado não pode ser covarde. O fato de ser julgamento criminal tem que ser rigorosamente na prova dos altos. O ministro Marco Aurélio diz, o processo penal não pode ter um nome na capa. Os fatos é que tem que interessar. Eu acho que essa prisão dele, principalmente na 6ª Vara foi claramente uma prisão midiática. Mesmo o Supremo Tribunal Federal, que é um poder mais maduro, mais difícil de sofrer pressão, sofreu esse ato meio exagerado do doutor Janot no final do mandato e acabou cedendo a ele fazendo a prisão. Eu tenho o costume de lidar como advogado de pessoas como a Zélia, que era a pessoa mais detestada do Brasil e absolvi a Zélia nos dois processos que ela tinha e de várias outras pessoas. Esse caso, realmente, ele está excepcionalmente exposto porque envolve além do maior empresário brasileiro, a delação e envolve também o presidente da República, o que dá um trabalho adicional. O que eu quero dizer, eu que não trabalho com delação, eu não estou defendendo a delação do Joesley e da JBS. Estou defendendo primeiro a liberdade deles e essa trapalhada homérica que o Janort fez ao tentar tirar os benefícios, só corrobora com aquilo que defendo desde sempre. O Ministério Público vulgarizou o instituto da delação, banalizou, e, na minha opinião, o mau uso dele atrapalhou o instituto da delação. Nós temos que repensar o instituto da delação. Não tenho muita preocupação com a opinião pública, embora a respeite e tenha cuidado com ela. Mas não vou deixar de pegar um caso porque serei visto de uma forma negativa. O advogado que fizer isso pode largar a advocacia.